I
Só o pássaro vê o que eu vejo,
os caminhos intransitáveis da minha mão,
beleza de cinzas e ouro,
o acaso imprevisível
do mundo desenhado uma só vez,
uma idéia feita de pó,
quadro sem pintor, meu universo secreto.
Oceanos, estepes, vulcões, o zumbido
dos seus nomes em bocas sempre mais novas.
Minha mão criadora acompanha suas formas:
veio, estreito, encosta, ravina,
as linhas ocultas de leitos de rio e minério,
diário de pântano, deserto, nível do mar,
aquilo que eu sou.
II
Época glacial, tempo sideral,
meu passado vive em imagens cifradas,
evocadas em fogo e água,
cadastro de areia e resina.
Assim eu me revelo,
assim eu me escondo
em altitudes e profundidades legíveis,
nas camadas de cores,
meu atlas é pleno como a terra.
III
Dimensão, diz o livro dos mapas.
Dimensão dada.
Dimensão real.
Dada por quem?
Real para quem?
O avião sobre a linha da costa,
sombras de velas fenícias,
constelação, prumo, compasso, tinta,
a folha lenta de Strabo,
a proa de Enéias, U lisses,
ou como o mar se torna em papel,
as ondas em palavras,
a árdua façanha de reduzir
segundo a arte de metro e da medida.
IV
O drama interior
Impõe perguntas sobre perguntas.
Podia-se ver os cães na península?
A morte das moscas, o veneno nas flores,
as pegadas do inimigo,
o agrimessor na hospedaria?
Quem seguia o trem com os futuros mortos,
E contava como o caminho era lento?
O destino não está escrito em mapas.
O destino é nosso.
Gratícula, hachura, escala, o rigor
das coordenadas, palavras mágicas,
para o mundo como coisa.
Mas eu vou com a terra viva,
dos rios e baixios, enseadas e ilhas,
retrato escrito do meu ser.
No que eu repito, imprimo os meus traços:
um mapa, de alma
pintado.